"Um tema persistente nos rituais de fertilidade era o de uma gigantesca inundação ou dilúvio, seguindo-se um período de benesse. (...) O tema de vida, morte e ressurreição também era freqüente: uma deusa perde o amante, o irmão ou o filho, indo buscá-lo no mundo subterrâneo, entre mil perigos, até que o encontro aconteça. E o encontro assinala sempre o retorno da vida após um intervalo de frio e escuridão. (MARIBEL PORTINARI)
Ísis considerada a Deusa Iniciadora nos mistérios da vida-morte-transcendência, encarna o princípio feminino, fonte mágica da fecundidade e de toda transformação. O milagroso renascimento de Osíris, consorte de Ísis, era atribuído a seus poderes.
No Egito, o principal centro de culto a Ísis e Osíris ficava em Abydos. Anualmente realizava-se um festival ritualístico cuja principal atração era a dramatização do mito. Os sacerdotes realizavam uma procissão solene acompanhados de músicos e dançarinas. A primeira descrição dessa cerimônia data de 1868 A.C. gravada na pedra de Ikhernofret. Mais tarde entre 46 e 120 D.C. Plutarco e Lucius Apuleius entre 123 e 150 deixariam um relato detalhado sobre o culto.
Fica mais clara a relação entre a mulher, o véu e seu simbolismo quando estudamos o mito de Ísis e Osíris por completo, identificando o surgimento de Hórus como filho nascido pela intervenção mágica de Ísis, através da recuperação do falo de Osíris. Temos portando, a vida nascendo da morte, o oculto sendo revelado. Segue-se a descrição do mito:
Osíris é morto, encerrado num cofre por inimigos invejosos e por seu irmão Set, lançado depois nas águas do Nilo. O cofre se abre e as partes de Osíris são espalhadas. Ísis vai a sua procura e consegue reunir todas as partes, com exceção de uma, o pênis, que um peixe engolira. Ela realiza um ritual de magia juntamente com Néftis, onde pronuncia o nome secreto de Rá e constrói um falo da madeira recolhida na árvore sagrada dedicada à Ishtar. Nesse momento, Osíris retorna á vida, porém restrita ao mundo dos mortos, enquanto Ísis engravida e pari o filho da transcendência Hórus que irá vingar a morte do pai e matar Set.
Não podemos esquecer do significado de "velar" no sentido de passar a noite acordado seja para ficar alerta por algum motivo, proteger o corpo vivo, seja para preparar, "cuidar" ou abençoar um morto. Novamente aqui existe a relação com a passagem transcendente guiada por Osíris.
"No sufismo, diz-se que uma pessoa está velada (mahjub) quando a sua consciência é obcecada pela paixão, seja sensual ou mental, de tal modo que não percebe a Luz divina em seu coração (BURD , 147).
Para os místicos, hijab, que designa tudo o que vela o alvo, significa a impressão produzida no coração pelas aparências que constituem o mundo visível e que o impedem de aceitar a revelação das verdades. O nafs (alma carnal) é o centro do velamento... As substâncias, os acidentes, os elementos, os corpos, as formas, as propriedades, todos são véus que ocultam os mistérios divinos. A verdade espiritual está selada para todos os homens, com exceção dos santos.
Ibn ul Faridh fala dos véus da mortalha dos sentidos (NICM, 248). A própria existência é considerada um véu para os sufistas.
No budismo, este mesmo véu que dissimula a Realidade pura é Maya; mas Maya como Xácti, vela e revela ao mesmo tempo, pois se não velasse a realidade última - que é a identidade do ego e do self, do sich selbst e da Deusa - a manifestação objetiva não poderia ser percebida."
O símbolo aqui se contradiz, pois o véu se torna não o que oculta, mas ao contrário, o que permite ver, filtrando uma luz ofuscante, a luz da Verdade. É neste sentido que se diz, em regiões islâmicas, que a Face de Deus é velada por setenta mil cortinas de luz e de trevas, sem o que tudo o que o seu olhar atingisse seria consumido. Pela mesma razão Moisés teve de cobrir o seu rosto para falar com o povo hebreu. O Islã também dirá que Deus revestiu as criaturas com o véu de seu nome pois se lhes mostrasse as ciências de seu poder, desmaiariam, e se lhes revelasse a Realidade, morreriam (MASH, 699-700): o véu do nome preserva a criatura de uma visão direta que a faria desmaiar. Pois também a luz solar possui uma dupla acepção simbólica: pode ser aquilo que cega, com seu brilho por demais intenso, o que faz com que os tais digam que o véu do dia esconde a luz dos astros, que se desvelam ao cair da noite (AVAS , BURA , CORT , EVAB , PHIL , GUEM , MASR , PALT , SOUN , SOUJ , VALI , WARK ).
M. Esther Harding , declara que a Grande Deusa, presente em diversas culturas orientais e ocidentais foi em distintas regiões geográficas representada por uma pedra negra. Essa pedra considerada sagrada possuía uma depressão oval semelhante á vulva feminina. Lucy Penna aborda essa evidência e esclarece a origem do culto provavelmente na Caldéia há seis mil anos, além de concomitante presença das pedras marcadas na Grécia e entre os celtas e druidas da Europa. Essa marca impressa em forma de vulva chamada de "sinal de Afrodite", é símbolo da energia que traz a luz e a vida. Mais uma vez, remete-nos ao sagrado momento do parto e a felicidade de trazer a criança à luz:
M. Esther Harding , declara que a Grande Deusa, presente em diversas culturas orientais e ocidentais foi em distintas regiões geográficas representada por uma pedra negra. Essa pedra considerada sagrada possuía uma depressão oval semelhante á vulva feminina. Lucy Penna aborda essa evidência e esclarece a origem do culto provavelmente na Caldéia há seis mil anos, além de concomitante presença das pedras marcadas na Grécia e entre os celtas e druidas da Europa. Essa marca impressa em forma de vulva chamada de "sinal de Afrodite", é símbolo da energia que traz a luz e a vida. Mais uma vez, remete-nos ao sagrado momento do parto e a felicidade de trazer a criança à luz:
"Segundo Harding, o povo muçulmano acredita que a pedra sagrada de Meca (em cuja direção os devotos dessa fé se voltam três vezes ao dia, sintonizando com o poder de sua cidade santa) está coberta por um véu negro, repousando no centro da mesquita principal. O fato de estar envolta por um véu sugere uma analogia com o segredo que guarda o sexo feminino ainda coberto pelo hímen. Significa também a presença de um força que não pode (ou não deve) ser percebida apenas racionalmente, permanecendo misteriosa e oculta."
"O poder secular por vezes apropria-se deste símbolo para sacralizá-lo. É o que se dava com o Imperador da China, sempre separado de seu visitantes por um véu, podendo assim ver sem ser visto; e com o Califa, a partir do período omíada: seu camareiro, encarregado de transmitir as suas palavras durante as audiências, chamava-se "véu" ou "cortina"(Hajib), pois era ao mesmo tempo aquele que esconde e revela.
Em última instância, o véu pode então ser considerado mais um intérprete do que um obstáculo; ocultando apenas pela metade, convida ao conhecimento; todas as mulheres sedutoras sabem disso, desde que o mundo é mundo. O símbolo também se define pelo esoterismo: aquilo que se revela velando-se, aquilo que se vela revelando-se."
Outro elemento presente nas representações gráficas do mito encontradas nas paredes das pirâmides, em hierógrifos e objetos de arte, é o ankh, (cruz ansada), chamado também de nó de Ísis. Ele representa seus poderes infinitos e simboliza a eternidade, assemelhando-se também ao formato do útero.
O ankh e o djed (símbolo que se refere à coluna vertebral e ao membro ereto de Osíris), configuram a ideia da fertilidade e a transcendência. Ou seja, os véus são retirados, o conhecimento é revelado e a vida, que se materializa através do ato sexual, ganha uma profundidade de significado: o ato da vida transcende a morte e revela Deus.
afresco em uma parede no Templo de Set, Abidos |
A figura ao lado, mostra Osíris e o pilar djed. Os quatro capitéis, simbolizam a estabilidade e a duração no mundo osiríaco. Nos mistérios de Osíris são celebrados anualmente a sua paixão, a sua morte e a sua ressurreição. No templo de Abidos, a cena da elevação do pilar djed era seguida da oferenda de tecidos (véus), na qual se cobre a coluna como se tratasse de uma estátua.
Acerca do exposto, temos as evidências de que a dança do ventre se origina de uma dança sagrada de fertilidade e portanto faz parte desse ritual.
E isso tudo tem relação com o simbolismo do véu na dança?
(...) Ao desempenhar seu papel na dança cósmica, todos os seres estão unidos por uma intrincada rede de vida. (...) No caminho em direção a si mesmo, reconhece que o mundo inteiro se encontra em si e que a revelação divina - que se produz através dele, o meio subjetivo - adquire forma e cor neste processo de manifestação. (...) . A realidade primária para o homem continua sendo a realidade da psique; mas atingir o centro implica o sacrifício da personalidade individual e da posição no espaço finito, o que possibilita a compreensão de que pode encontrar a graça em qualquer lugar. O corpo constitui o recipiente sagrado da divindade, seu véu ou sua máscara; mas é ao mesmo tempo veículo de sua revelação. Pintando-o, cobrindo ou mascarando-o, adquire uma ênfase dinâmica, que é uma forma de assinalar que o mistério se descobrirá (...)
Neste interim, o véu se revela também o símbolo da pele que recobre todo o corpo e é responsável pela ligação que temos com o interior e o exterior de nós mesmos. O corpo é o templo sagrado onde habita a essência (alma).
A comunicação entre o elemento véu e a pele realça a propriocepção, expandindo a capacidade de sentir o toque, o movimento do corpo como um todo e a interação dele com a música, o ar no ambiente e algo dentro desse corpo que o move além!
Agora vejo na Mente, vejo que sou o todo.
No céu e na terra estou, na água e no ar,
Estou nos animais e nas plantas.
Criança sou no útero e aquele que ainda não foi concebido,
e também recém nascido.
Em todas as partes estou presente.
(Upanishads)
Fonte: http://www.tribosdegaia.com.br/htm/artigos/liberia05.htm
Artigo criado em 25/3/2002 14:17:00 e revisado e atualizado em 20/9/2005.
Notas e Citações Bibliográficas:
PORTINARI, Maribel. História da Dança - Editora Nova Fronteira, 1989, pág. 18.
PORTINARI, Maribel. História da Dança - Editora Nova Fronteira, 1989, pág. 20-21.
Adaptado de: CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos - Mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. - José Olympio Editora - 9ª edição, páginas pág. 665-666.
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"Os denominados "textos das pirâmides" foram produzidos entre 2350 e 2175 A. C. e figuram entre os arquivos mais antigos não só do Egito, como de toda a história da humanidade. Não obstante isto, o material indica fontes ainda mais arcaicas. A preocupação pela vida futura e a crença no além, que conduziu à prática das mumificações, já existia no Egito em torno do ano 3100 A.C." in: GROF, Stanislav. O Livro dos mortos, Ed. Del Prado, p. 8
LAMY, Lucien. "Mistérios Egípcios, Ed. Del Prado, 1996, p.75.
[papiro de Ani, XIX Dinastia - cerca de 1250 A.C.] - GROF, Stanislav. O livro dos mortos - Ed. Del Prado, p. 65.
LAMY, Lucien. "Mistérios Egípcios, Ed. Del Prado, 1996, p.50.
O corpo como recipiente do espírito, in - Danças Sagradas - p. 126 e 127- Coleção 'Mitos, Deuses e Mistérios' - Edições Del Prado.
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